Muitas vezes deixo de escrever, não por não ter o que dizer, mas por não encontrar – nem entre leituras e escritos – as palavras que preciso naquele momento exato. Esta tolice cria um círculo vicioso: por procurar a palavra, não escrevo. Por esperar o momento, não publico. No entanto, conforta-me a persistência deste ímpeto, desta necessidade vital de dizer não-sei-o-quê, nem sei a quem. Há algo certo? Que o texto se sustente na exata medida de seu próprio corpo.
(Rita Braga)

sábado, 18 de dezembro de 2010

Memória Vegetal


“Os livros nos deleitam quando a prosperidade nos sorri, confortam-nos durante as borrascas da vida. Robustecem os propósitos humanos, sustentam todo severo juízo. As artes e as ciências, cujas virtudes dificilmente se pode conceber, baseiam-se nos livros. Quão alto podemos estimar o admirável poder dos livros, pois que através deles podemos considerar os extremos limites do mundo e do tempo, as coisas que são e as que não são, quase fixando o olhar no espelho da eternidade.(...)” (Richard de Bury)





"Os livros são feitos para serem lidos"

Estas palavras, com as quais Richard de Bury testemunha a bibliofilia em 1344, são o início de uma das citações apresentadas por Umberto Eco em seu livro A memória vegetal e outros escritos sobre bibliofilia (Editora Record, 2010). 

O livro reúne conferências e artigos do semiólogo, professor e escritor, com conteúdos que despertam reflexões sobre a nossa relação com o livro e com a leitura em diferentes tempos, suportes e situações. Mas bastariam essas primeiras palavras para explicar as motivações de um bibliófilo? 

Para alguns, sim. Porém, Umberto Eco destaca a necessidade de distinguir a bibliofilia da bibliomania e outras sutilezas do colecionismo. Há, neste conjunto de escritos, um conceito de humanidade – de ser humano como, antes de tudo, “um fato de memória” – conforme Valéry, também citado por Eco. Nossa relação com o tempo e com o esquecimento faz parte da história deste objeto que para muitos “é um meio de superar a morte”, mantendo no mundo presenças, ideias e individualidades. 

Com um passeio pela História, Eco discute a participação do livro na aquisição de uma memória coletiva, com referenciais e conhecimentos transmitidos que nos transformam diariamente. O suporte desta memória também teve sua estrutura transformada em diferentes contextos – tivemos uma memória mineral, em distintas escrituras em pedra e argila; orgânica, registrada em couro de animais; mas, mesmo em nossa contemporaneidade permeada pelo silício que garante o suporte digital, é no papel que estão registradas, ainda hoje, grande parte das informações. 

Um tópico levantado de maneira breve, mas pertinente, é a posição de Platão acerca da escrita como geradora de enfraquecimento da memória. A reflexão nos conduz ao fato de que a abundância de informação muitas vezes gera ignorância, em vez de conhecimento. Porém, por isso mesmo, vê-se que em nosso apego à concretude do texto há ainda uma série de questões e mazelas entrelaçadas. Para começar, considera a situação dos analfabetos dentro deste contexto social, pois os livros são hoje, mais do que nunca, uma potencialização da memória que insere e exclui historicamente dados e indivíduos. Claro que o assunto entra em detalhes óbvios, mas nem sempre percebidos na pressa cotidiana da informação – por exemplo, será tão evidente a todos o fato de que ler “nos ajuda a não acreditar nos livros”? Então, como educar-se para escolher, para distinguir o que merece e o que não merece crédito? 

Aliás, o livro traz também uma série de considerações sobre os critérios adotados por colecionadores e bibliófilos, e chega a expor algumas “esquisitices” intrínsecas a cada perfil de coleciondador, como o caso dos bibliômanos que chegam a roubar livros e muitas vezes mantê-los com as páginas intocadas apenas pelo prazer de possuí-los secretamente. Para Umberto Eco, o bibliomâno que jamais lê sequer uma página de seus livros não é diferente do bibliófobo ou biblioclasta, que os condena ao esquecimento ou os destrói. Enquanto isso, os bibliófilos são aqueles que os folheiam, que os estudam, sem jamais cogitar a “completude” da coleção. Amam e cuidam dos livros, mas nem por isso escapam da angústia de não saber a quem mostrar seus tesouros. O leitor percebe o quanto Eco escreve mais uma vez com o gosto da própria experiência. Ao discorrer sobre a forma, a qualidade, a vida útil e as peculiaridades de cada exemplar, acumula argumentos para que cada livro seja “amado” por muito mais que seu conteúdo. Ousa até a conclusão de que a formação de uma boa biblioteca denota um desejo pessoal que ultrapassa limites de propriedade. Trata-se de um ambiente vivo, autônomo, e em sua diversidade de livros é até mesmo “um lugar que os lê por nós”. 

As obras e autores brevemente comentados no texto incluem alguns “loucos literários” – com suas edições sobre “a possibilidade de abolição da morte” e tratados sobre “a estatura de Adão”, por exemplo. 

Há também uma explanação sobre os critérios remotos para que um texto merecesse ou não ser publicado, e neste aspecto, destaca, inclusive com alguma curiosidade, a situação daqueles a quem ele chama de autores e filósofos “de quarta dimensão” – que são mais precisamente, “os autofinanciados”. A classificação pode ser resumida em: primeira dimensão, os autores com trabalhos encontrados em manuscritos; de segunda, os inúmeros publicados, muitas vezes, condenados ao anonimato; de terceira, são os que fizeram algum sucesso e são reconhecidos ainda hoje. 

Os de quarta dimensão, para Eco, estão também entre aqueles que raramente alcançam um reconhecimento, e acabam se perdendo na multidão. Porém, ao comentar casos emblemáticos do passado, o autor nos aponta reflexões bastante contemporâneas, pois afinal, o que serão dos milhões de impressos produzidos em nosso tempo? O que ficará como referência para as próximas gerações? 

Além de tudo, vale lembrar, a linguagem de Eco é um prazer à parte. Ao expor seu nada secreto amor pelo livro, ele aciona no leitor as mais diversas metáforas que aprofundam conceitos e significados. Como exemplo, pode-se citar passagens como aquela em que, ao discutir a relação do leitor com o objeto livro, mostra que ler é ir muito além do conteúdo, afinal: “jogar fora um livro depois de lê-lo é como não desejar rever a pessoa com a qual acabamos de ter uma relação sexual”. Outra passagem inusitada é seu comentário acerca dos “belos rendados” produzidos por brocas que ameaçam o texto. 

Enfim, em A memória vegetal e outros escritos sobre bibliofilia, mais uma vez Eco reafirma que não tem medo de a onda tecnológica empurrar o livro para o aparentemente ilimitado mundo virtual. Em todo caso, ele não deixa de apoiar e vivenciar a bibliofilia, reconhecendo nela “um ato piedade e solicitude ecológica” – diz – “porque não devemos salvar apenas as baleias, o urso do Abruzzo, mas também os livros.” Salvá-los do descuido, do descaso, dos lugares inóspitos e também das mãos que os condenam aos lugares inalcançáveis, longe dos leitores. 



*Livro: ECO, Umberto. A memória vegetal e outros escritos sobre bibliofilia. São Paulo: Record, 2010.
**Publicado no Jornal da ABI, edição 359.


sábado, 11 de dezembro de 2010

Cultura Letrada - literatura e leitura



“Ler um livro é cotejá-lo com nossas convicções sobre tendências literárias, sobre paradigmas estéticos e sobre valores culturais. É sentir o peso da posição do autor no campo literário (sua filiação intelectual, sua condição social e étnica, suas relações políticas etc.). É contrastá-lo com nossas ideias sobre ética, política e moral. É verificar o quanto ele se aproxima da imagem que fazemos do que seja literatura.” (Márcia Abreu)



A leitura e os limites dos livros


Pensei em deixar somente a citação acima como um aperitivo do trabalho de Márcia Abreu acerca da Cultura Letrada. Talvez fosse bom acrescentar a pergunta: ”como uma tribo africana interpretaria Hamlet?” Mas, como muitos dos meus amigos já sabem, eu não consigo simplesmente indicar o livro sem comentar sua contribuição em minhas pesquisas recentes sobre a Leitura.
Clareza de seu discurso, reflexões sempre fundamentadas em fatos e exercícios convidativos já seriam argumentos suficientes. Mas foi a ousadia com que Márcia Abreu nos coloca diante do espelho, o principal motivo de minha surpresa e admiração.  A atitude de desmistificar a “imanente literariedade” tantas vezes martelada por críticos e professores é fundamental para compreender os empecilhos que afastam livros e leitores – sejam estes adultos, jovens ou crianças em fase escolar.  

Um resgate do espanto e da atitude investigadora na leitura
O texto parte de questões como “haverá livros bons em si?” ou “a beleza está nos olhos de quem os lê?” E, para investigar isso, a pesquisadora apresenta uma análise, bastante prática, de uma lista dos “melhores livros”, segundo um júri selecionado pela Folha de S. Paulo. Ao comparar os resultados com a lista de “melhores escritores do século XX”, eleitos pela revista IstoÉ, o simples contraste já denota o quanto é subjetiva cada recomendação. Márcia comenta elementos e critérios do júri e como estes critérios levam em conta aspectos políticos, sociais e culturais.
O texto me fez lembrar a fala com que o professor João Adolfo Hansen concluía algumas de suas aulas instigantes: “infelizmente, nem sempre o óbvio é evidente...” De fato, nada do que a autora expõe chega a ser novidade. Há escritos remotos com reflexões sobre o contexto no ato da leitura. Porém, tenho a impressão de que para boa parte dos estudantes de Letras, qualquer questionamento de princípios e valores aprendidos pode soar como heresia. Mesmo assim, a autora nos mostra que todos os esforços no sentido de enaltecer a literatura “como se fosse algo universal (...) próprio do ser humano” podem ser desastrosos, principalmente se, nisso, nos esquecermos de “discutir o que é literatura (...)” e reconhecê-la como “um fenômeno cultural e histórico, passível de receber diferentes definições conforme a época e o grupo social.” Portanto, “não há literariedade intrínseca, nem critérios atemporais”. É óbvio, mas não é preciso muito para notar que não é evidente...

Conceitos e preconceitos
Entre outros aspectos do livro, mais uma vez encontro comentários acerca das “instâncias de legitimação” que podem ou não reconhecer o trabalho de um escritor, como diz Fábio Lucas, em Crepúsculo dos Símbolos – reflexões sobre a história do livro no Brasil. Desta vez, para ilustrar suas  observações, Márcia Abreu retoma acontecimentos que já foram divulgados na imprensa e em obras de referência, mas que na correria cotidiana, são conhecidos e esquecidos com a mesma rapidez. Por exemplo, ela retoma uma experiência feita em 1999, quando a Folha de S. Paulo enviou um texto de Machado de Assis a grandes editoras, sujeitando-o à avaliação sem identificar o autor.  A rejeição geral foi uma polêmica discutida na ocasião, mas o olhar de Márcia Abreu revisita o caso a partir de outros referenciais – ressaltando que “saber que um texto é literário já provoca certo tipo de leitura.” 
As 125 páginas de análise são preciosas para quem hoje enfrenta o desafio de “formar leitores”, dentro e fora da sala de aula. Aliás, sobre isso, a autora também comenta que muitas vezes o problema fica camuflado em explicações mais fáceis como “a falência do ensino brasileiro... a ignorância que impede de perceber a excelência do texto...” Sendo que, nesta experiência com o texto de Machado, o fato de ter passado por “leitores de profissão” mostra o peso das expectativas e do conhecimento prévio sobre o autor no ato de ler.  
Acerca da relação com os best-sellers, Márcia Abreu apresenta resultados de pesquisas recentes sobre a leitura dos livros mais vendidos e, com isso, desconstrói ou pelo menos “desnaturaliza” discursos que rotulam este tipo de livro como uma “leitura alienadora”. Relatos de reflexão e transformação são mais frequentes do que os círculos eruditos se permitiriam reconhecer.  No entanto, este olhar mais aberto à obra antes de criticá-la também é raiz para a desconstrução de outro mito – o de que “a literatura, por si, torna-nos mais humanos”. Faz sentido, pois a existência de pessoas cultas participando das atrocidades em campos de concentração é apenas um dos muitos exemplos de suposições equivocadas. Como diz a autora “o fato é que há gente muito boa que nunca leu um livro e gente péssima que vive de livro na mão.”

Literatura como face viva de qualquer idioma
O livro Cultura Letrada – literatura e leitura aborda preconceitos que estão muito mais arraigados do que poderíamos supor. Passa pelas especificidades literárias do Cordel, pelo uso artístico da linguagem em ditados populares, pela noção “civilizatória” impregnada em cada imposição e, é claro, mostra o quanto a literatura – sendo, antes de tudo, uma manifestação “língua” – também se transforma no tempo e no espaço, assumindo novos valores e ideias de acordo com as necessidades locais.
Neste caso, é curioso reconhecer que muitos dos textos que eram mal vistos ou proibidos antigamente, hoje, são impostos aos leitores como modelos obrigatórios – e a partir disso, quem garante que o que é mal visto hoje, amanhã não será também um referencial? E mais! Vê-se neste livro e em outros, o quanto a atitude moralista de condenar obras e autores também é antiquada...
Para terminar, vale o registro de que em 1775, a partir de recomendações médicas do Dr. Tissot – portanto, baseadas em pesquisas científicas – havia a certeza de que “a leitura é prejudicial à saúde”. Ele não estava sozinho. Há publicações de 1795 que complementam os malefícios já advertidos – afinal, “a leitura forçava a mente a trabalhar com intensidade ao mesmo tempo que mantinha o corpo em repouso durante longos períodos”. Uma lista de sintomas, como dor de cabeça, enfraquecimento dos olhos, melancolia, insônia... não deixaram de ser “desculpas” até hoje... Mas por que então mudamos de opinião e agora, lutamos para conquistar leitores? Sim, o valor que atribuímos a leitura também mudou. Será que naquele tempo, alguém imaginaria essa mudança ousada, mesmo correndo tantos perigos?
A língua é viva e se transforma. E a literatura também é língua a ser lida e compreendida em diferentes olhares por diferentes leitores. 

*Márcia Abreu – Cultura Letrada: literatura e leitura.  Editora Unesp, 2006.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Crepúsculo dos símbolos*



Reflexões que perduram há mais de 20 anos


Nem tudo precisa ser definido em palavras, mas algo que não sei explicar direito pode ser compreendido por qualquer leitor: falo de um sutil “constrangimento” ao querer comentar um livro que não é nenhuma novidade no mercado. Pode ser que algumas pessoas digam “por que falar disso agora? Você está atrasada... todo o mundo já sabe disso” ou, o que é mais provável, “não é novidade, então ninguém quer saber...” Por mais ciente que eu esteja de que não há nada de mais em indicar leituras, ao dar uma olhada em outras páginas virtuais, senti que os livros já esgotados ou apenas disponíveis em sebos e bibliotecas não têm sido comentados com tanta frequência, a não ser nos casos de títulos indicados para uma prova ou pela inconveniente exigência de algum professor.
Mais uma vez deixei meus olhos passearem pelas estantes da Biblioteca Mário de Andrade e um título me chamou a atenção: Crepúsculo dos Símbolos: reflexões sobre o livro no Brasil. Trata-se de uma publicação de 1989, que exigiu de mim uma leitura pausada por subtítulos que já eram em si profundas indagações. O sumário apresenta itens como “o livro como objeto cultural”; “o livro à procura do leitor”; “o escritor e a vida intelectual”; “literatura, jornalismo e massificação”; “a crise da cultura literária no Brasil pós-64”, entre outros.
O ilustre autor, professor Fábio Lucas, tem uma vasta produção e pesquisa, tanto em literatura e crítica, quanto em outros ramos das ciências sociais, e neste trabalho reúne questionamentos que – a despeito de suas posições, hoje alteradas, ou não – continuam pertinentes no que se refere à leitura em nosso país.
As dificuldades, sobretudo, de contato com a literatura também não são novidade e, como educadora, posso afirmar que os problemas não se limitam a uma ou outra classe social. Para minha surpresa, o capítulo “O livro à procura do leitor” apresenta dados acerca de políticas de incentivo da época, que, embora provavelmente tenham evoluído bastante nos últimos anos, em diversos aspectos continuam limitadas, seja no ponto de vista comercial, seja no modo como se propicia a aproximação entre os livros e a comunidade.
De modo geral, o texto traz um retrato do complexo quadro social que obstrui o vínculo entre as pessoas que escrevem, o livro e o público. Fábio Lucas destaca mazelas econômicas e educacionais que ainda não foram resolvidas. A mais evidente é a falta de letramento – a gritante alfabetização funcional que não alcança a compreensão e interpretação dos textos. O autor indica uma série de fatores políticos e sociais que dificultam o reconhecimento da cultura escrita e a publicação das obras de novos escritores.
Há neste livro informações elaboradas sob um ponto de vista bastante polêmico, que parte de elementos como “a chegada do livro como instrumento de dominação, por meio dos jesuítas” (e, de modo mais amplo, do europeu), em contraposição à “resistência natural por parte das culturas ágrafas” – presentes entre os indígenas e africanos que formaram os alicerces da população do Brasil. Outro elemento é o fato de que até mesmo os “resíduos culturais brasileiros cultivam o não escrito”, pois não são raros os familiares que descartam anotações e correspondências de escritores por considerarem apenas fotografias e objetos como patrimônio a ser compartilhado.

As instâncias de reconhecimento e o marketing editorial
Pelo texto de Lucas, mergulhamos na reflexão sobre “escrever como trabalho”, pois aciona analogias e referenciais acerca das questões de remuneração. De fato, há ainda muita gente que enxerga com naturalidade o adiantamento financeiro para o conserto de uma máquina de lavar ou o de um encanamento, mas não admite qualquer provimento para o tempo e a estrutura de pesquisa e elaboração textual a que se empenha todo bom escritor. 
Há ainda um conjunto de considerações sobre o percurso para que o trabalho chegue a ser reconhecido como literatura. Entre muitos fatores, o texto elenca algumas dificuldades de publicação. Outros pensamentos se desdobram no espanto diante de expressões como “poetas independentes” – independentes de quê? (ou de quem?) – pergunta o autor ao comentar o peso das relações políticas e sociais nos círculos literários.
Com todos esses “entretantos”, há que se lembrar ainda de outras exigências pessoais constantemente impostas a quem escreve, principalmente, num meio em que há tanta pressão para mercantilizar a obra, nos moldes de sucesso na indústria cultural. Nesse aspecto, o autor de Crepúsculo dos Símbolos critica os best-sellers por conter uma “monotonia de recursos”, com “soluções narrativas e conteudísticas” que, embora atraiam grande público e vendagem, limitam-se a conceitos maniqueístas e “despreocupantes”. Para ele, o protagonista desse tipo de livro retrata uma busca de segurança no mundo conhecido e previsível, uma busca do absoluto que alimenta a produção de ídolos em detrimento das sutilezas do mito – infelizmente, o mesmo mito que, em sua complexidade, sobreviveria a tudo que é efêmero – inclusive, à moda e a outros processos que permeiam os interesses de mercado.
Especialmente acerca destas posições os best-sellers, encontrei um contraponto importante no livro de Márcia Abreu, Cultura Letrada – literatura e leitura (Editora Unesp, 2006), que pretendo comentar numa próxima ocasião. De qualquer forma, não posso negar a pertinência de questões colocadas por Fábio Lucas, como: “um livro é bom porque vende muito, ou, vende muito porque é bom?” Não que haja qualquer problema em vender livros – ao contrário, o próprio autor discorre sobre a necessidade de aumentar também o número de livrarias e os acervos das bibliotecas para levar o livro para mais perto do leitor. Sua crítica vai no sentido de apontar que muitos dos suplementos literários e menções a livros na mídia têm muito mais a função de marketing editorial do que de fato difundir as reflexões e o contato com o livro. Há 21 anos, portanto, o autor coloca uma questão que é válida ainda hoje: terá o livro se convertido em apenas “uma forma de consumo a mais”?
Enfim, não é minha intenção recontar o livro, mas comentar reflexões que também experimentei durante a leitura e convidar outros leitores a compartilhar suas impressões sobre essas ideias que certamente continuarão a atravessar o tempo.




Lucas, Fábio. Crepúsculo dos símbolos: reflexões sobre o livro no Brasil. Campinas, SP: Pontes, 1989 (coleção literatura-crítica).