O que resta dizer acerca da morte de José Saramago? A imprensa, mesmo com revistas e cadernos de finais de semana completamente fechados, conseguiu se desdobrar em edições especiais recheadas de depoimentos de críticos e amigos deste escritor que há muito já era internacionalmente reconhecido como ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, com o livro Memorial do convento em 1998.
Em meio aos comentários sobre a Copa do Mundo em lotações, filas e bares, havia, sim, quem falasse “Você viu...? O Saramago morreu...”
Sabe-se que a melhor homenagem é convidar o público a ler seus livros. Sejam eles obras polêmicas como o Evangelho Segundo Jesus Cristo, mostrando um menino Jesus humano, que “chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse único e mesmo motivo (...)”, ou como seu Conto da Ilha Desconhecida, com a corajosa viagem por caminhos que nenhum mapa pode registrar. No entanto, apenas indicar seus livros não parecerá suficiente para quem se lembra vê-lo e ouvi-lo pessoalmente, mesmo que em eventos como o lançamento do livro A viagem do elefante, em 2008, no Sesc Pinheiros.
Quem esteve lá deve se lembrar que tal experiência é mais do que estar diante de um autor renomado. Trata-se de uma oportunidade para abrir os olhos diante do que é óbvio, mas tantas vezes ignorado – há sempre um ser humano por trás de um objeto-livro.
Naquele evento, todos viram seu esforço para chegar ao palco com a saúde debilitada aos 86 anos. Ouviram suas considerações sobre as vantagens de envelhecer, quando se toma em conta qual seria a única alternativa possível; ouviram seus argumentos para destacar que foi um “milagre da ciência” ele ter escapado da morte em fevereiro daquele ano... E que, é claro, Deus não tinha nada a ver com isso...
Esses detalhes, ainda que até certo ponto sentimentais, são importantes, porque naquela noite houve quem o fotografasse, filmasse na tela do celular, e, principalmente, centenas de pessoas comprando o livro à espera de um desejado autógrafo.
Deve haver quem se lembre também do olhar interrogativo de Saramago quando, após tecer seus comentários e conselhos aos jovens escritores, pronunciou a palavra “finalmente...” para concluir a palestra pois houve um alvoroço na plateia. Em todas as fileiras, pessoas se levantando para correr até a fila no saguão à espera do “autógrafo” – mas se todos sabiam de seu estado de saúde e do quanto essa tarefa seria desgastante (aliás, houve nos jornais comentários acerca de seu esforço para atender a tal demanda na noite citada e em outras ocasiões), fica ainda hoje a pergunta: será que aquelas pessoas viram mesmo o homem por trás do livro?
O fato é que todos testemunharam a capacidade daquele homem ao arrancar suspiros da plateia. Isso aconteceu quando, além de dizer que a esposa Pilar o havia segurado pelo colarinho para que ele não morresse – e que na verdade somente por isso ele não se foi... –, acrescentou uma declaração de amor:
“Tenho oitenta e seis anos, mas se eu tivesse morrido um dia antes de conhecer Pilar, teria morrido muito mais velho do que sou hoje.”
Enfim, recentemente comentaram também outra declaração à esposa:
“Eu tenho pena de morrer... A vida é tão bonita.”
...
Nós também temos, José... Então, deixaremos você vivo, conosco, sempre.
*Texto escrito em 15/07/2010.