Muitas vezes deixo de escrever, não por não ter o que dizer, mas por não encontrar – nem entre leituras e escritos – as palavras que preciso naquele momento exato. Esta tolice cria um círculo vicioso: por procurar a palavra, não escrevo. Por esperar o momento, não publico. No entanto, conforta-me a persistência deste ímpeto, desta necessidade vital de dizer não-sei-o-quê, nem sei a quem. Há algo certo? Que o texto se sustente na exata medida de seu próprio corpo.
(Rita Braga)

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Nasce um Leitor




Há algum tempo comentei o quanto as palavras de Manguel me marcaram: “o livro não precisa do leitor para existir”. Sempre entendo o livro como um texto, de maneira geral, e acho que por isso, de um tempo para cá, quando me convidam a ser “leitora” me sinto ainda mais comovida. Será que alguém entende o que estou dizendo?
A atitude de reconhecer-se escritor ou leitor de alguém em especial, a meu ver, é um evento que merece mais atenção nessa era de semi-anonimato de milhões de blogueiros em todo o mundo.
Mesmo sabendo-me “supérflua” para a existência de qualquer texto, continuo adorando aquela impressão de que algo foi escrito especialmente para mim.  Imaginem, então, qual não foi minha alegria quando um jovem amigo me escolheu para leitora de seu texto “recém-nascido” – e como foi bom reencontrar tantas ideias que vivem por aí, na corrente de nossas afinidades e reflexões.
Felipe Caldas, como todo bom educador, é um leitor sensível. É também um dos amigos com quem vivo trocando dicas de cinema e insights sobre literatura.
Várias vezes o convidei a registrar seus pensamentos e impressões, mas confesso que a resistência do menino (ou pelo menos sua procrastinação) em alguns momentos abalou-me as esperanças... Por isso, mais do que nunca, fiquei feliz quando ele me procurou para compartilhar seu encontro com  Hilda Hilst. É bom perceber em suas palavras esse tom de “porta aberta”: sempre há espaço para saber mais. 

Descobrindo Hilda   (por Felipe Caldas)

Recentemente resolvi pesquisar um pouco sobre a chamada literatura erótica, por interesse pessoal e para um possível trabalho da faculdade. A primeira dificuldade (ainda não superada, como verão adiante) foi delimitar o erótico, o pornográfico e por que não o grotesco?         
Pois é, ainda não sei dizer. Além do mais, por enquanto isso não é de fundamental importância. O que interessa aqui é Hilda Hilst, pois uni a vontade de conhecer mais sobre a obra da escritora à necessidade em conhecer melhor os gêneros (?).
Depois de fazer aquelas breves pesquisas e rezas a “Nossa Senhora do Google” encontrei muitas informações que consideram a escritora, como autora de livros eróticos e pornográficos, ou ainda grotescos.
O que tenho a declarar é: “não sei se gostei, mas achei no mínimo intrigante”.
As minhas impressões nesse primeiro contato com algumas obras de Hilda, através dos livros Do Desejo, Bufólicas e Cartas a Um Sedutor (2008,Editora Globo), é possível transitar entre as três classificações.
Em Do Desejo, nos deparamos com poemas que expõem diferentes formas de se relacionar com o desejo, presente de forma ampla, desde as relações sexuais à companhia hilária e fiel de uma boa bebida, como no poema intitulado Alcoólicas, publicado originalmente em 1990 e reeditado em 2008, reunido a outros livros da autora.
Já em Bufólicas, nos deparamos com sete personagens tradicionais de contos de fadas que, satirizados, adquirem “anomalias sexuais”. Os textos destacam o tamanho, a aparência, entre outros aspectos dos órgãos e atos sexuais.
Cartas de um Sedutor é um livro que eu diria “múltiplo”. Nele está a narrativa de Stamatius e Eulália, um casal de mendigos que vivem em condições deploráveis, no entanto, fazem do desejo que sentem um pelo outro, quase que a principal fonte da relação e da continuação da vida à dois.
Stamatius é um escritor que renegou a classe média após ter sua produção literária recusada pelos meios editoriais – recusa esta que se justifica, do ponto de vista mercadológico, porque os livros eram desinteressantes e “escrachados demais”. A obsessão sexual que ele e Eulália sofrem, serve muitas vezes, de inspiração para muitas das narrativas criadas por Stamatius, entre elas, a troca de correspondências entre dois irmãos que, quando mais novos, mantinham uma relação incestuosa, ou ainda, os contos trágicos que o autor de Hilda cria a partir de falas de Eulália, sugerindo temas para o marido ou chamando-o para se deitarem (na obra, as definições vão muito além destas...).
É claro que os três livros citados representam e abordam muito mais do que abordei aqui, seja pela riqueza de termos utilizados para tratar as relações e órgãos sexuais ou pela rica estratégia de construir vozes poéticas e personagens cultos que referenciam escritores e pensadores da literatura mundial (Foucault, Sartre, Blake, Woolf, Kafka, Hemingway, entre outros), fazendo deste intelectualismo um atrativo sensual.    
 A sexualidade presente nos textos de Hilda Hilst, sem dúvida alguma, transmitem estranhas sensações, transitando, entre a excitação, o estranhamento e, sobretudo, a rejeição devido ao excesso e à crueza com a qual o tema é tratado.
Reafirmo o que escrevi no começo deste texto: “não sei se gostei!”, se gostei, ainda não descobri exatamente do quê, mas vale conferir. Por enquanto “(...) eu paro aqui. No oco das astúcias”.

 * Imagem: "Abraço", de Egon Schiele.