Os autores,
Béka e Marko – pseudônimos dos roteiristas franceses Bertrand Escaich e Marc
Armspach – já foram premiados por outros trabalhos com o mesmo cunho de imersão
cultural, e também lançaram recentemente O
apanhador de nuvens – uma aventura no país Dogon (Nemo, 2013).
Como mais um
exemplo da complexidade desse universo tantas vezes subestimado por educadores
e leitores, A narradora das neves pode desdobrar-se em inúmeras leituras que
confrontam culturas em várias instâncias.
No contexto
brasileiro é possível que o primeiro estranhamento venha a partir do termo
“Inuit”. Entre nós, no uso relativamente cotidiano ou mesmo no senso comum,
ainda vigora a palavra “esquimó” para distinguir esse que é um dos povos
aborígenes da região do Canadá, nas proximidades do Alasca.
Além do
cuidadoso desenho que já nos convida a uma viagem à parte, na qual as nuances e cores conduzem o olhar
sensível pela paisagem, a narrativa em si é uma imersão em outro ethos, outra organização política,
afetiva e social. Vale lembrar que a história se passa num dos ambientes mais
inóspitos do planeta e ao ver como as personagens se resolvem a cada passo ou
palavra, o leitor tem alguns flashes
de como a tecnologia, as regras sociais e até a percepção dos eventos mais triviais
assumem singularidade.
O enredo é
simples e singelo. Após a experiência de ouvir um viajante que trazia as
histórias de outros clãs, a jovem Buniq desafia seu avô – o velho Unioq que
naquele momento se preparava para a morte – a acompanhá-la em uma última
aventura; ela também quer ser uma contadora de histórias, mas para isso precisará
provar que já pode ser responsável pela transmissão dos saberes, dos
acontecimentos e símbolos que marcam essas comunidades tão distantes. Na leitura
atenta descobrimos temas existenciais sob a perspectiva dentro daquele grupo:
como nascer, como crescer, o que é se apaixonar e até o mistério de acreditar
em algo ou de simplesmente reconhecer quais são os verdadeiros limites da vida naquele
mundo de gelo.
Se é preciso
apurar o olhar para enxergar a diversidade de tons e texturas da neve, o livro
de Béka e Marko também nos oferece um
ponto pouco conhecido de referência cultural que nos orienta e localiza no
mundo.
São Paulo, 25
de julho de 2013.
R. B.