Muitas vezes deixo de escrever, não por não ter o que dizer, mas por não encontrar – nem entre leituras e escritos – as palavras que preciso naquele momento exato. Esta tolice cria um círculo vicioso: por procurar a palavra, não escrevo. Por esperar o momento, não publico. No entanto, conforta-me a persistência deste ímpeto, desta necessidade vital de dizer não-sei-o-quê, nem sei a quem. Há algo certo? Que o texto se sustente na exata medida de seu próprio corpo.
(Rita Braga)

terça-feira, 30 de julho de 2013

A narradora das neves – uma aventura no país Inuit



 Um dos fundamentos da antropologia é manter o olhar ativo como um pêndulo entre o exótico e o familiar. Assim também, literatura e arte, de modo geral, têm suas raízes entre o subjetivo e o universal. Os quadrinhos de A narradora das neves – uma aventura no país Inuit (Nemo, 2013/ Dargaud, 2012) brinda o público com uma experiência mais do que agradável.
Os autores, Béka e Marko – pseudônimos dos roteiristas franceses Bertrand Escaich e Marc Armspach – já foram premiados por outros trabalhos com o mesmo cunho de imersão cultural, e também lançaram recentemente O apanhador de nuvens – uma aventura no país Dogon (Nemo, 2013).
Como mais um exemplo da complexidade desse universo tantas vezes subestimado por educadores e leitores,  A narradora das neves pode desdobrar-se em inúmeras leituras que confrontam culturas em várias instâncias.
No contexto brasileiro é possível que o primeiro estranhamento venha a partir do termo “Inuit”. Entre nós, no uso relativamente cotidiano ou mesmo no senso comum, ainda vigora a palavra “esquimó” para distinguir esse que é um dos povos aborígenes da região do Canadá, nas proximidades do Alasca.
Além do cuidadoso desenho que já nos convida a uma viagem à parte,  na qual as nuances e cores conduzem o olhar sensível pela paisagem, a narrativa em si é uma imersão em outro ethos, outra organização política, afetiva e social. Vale lembrar que a história se passa num dos ambientes mais inóspitos do planeta e ao ver como as personagens se resolvem a cada passo ou palavra, o leitor tem alguns flashes de como a tecnologia, as regras sociais e até a percepção dos eventos mais triviais assumem singularidade.
O enredo é simples e singelo. Após a experiência de ouvir um viajante que trazia as histórias de outros clãs, a jovem Buniq desafia seu avô – o velho Unioq que naquele momento se preparava para a morte – a acompanhá-la em uma última aventura; ela também quer ser uma contadora de histórias, mas para isso precisará provar que já pode ser responsável pela transmissão dos saberes, dos acontecimentos e símbolos que marcam essas comunidades tão distantes. Na leitura atenta descobrimos temas existenciais sob a perspectiva dentro daquele grupo: como nascer, como crescer, o que é se apaixonar e até o mistério de acreditar em algo ou de simplesmente reconhecer quais são os verdadeiros limites da vida naquele mundo de gelo.
Se é preciso apurar o olhar para enxergar a diversidade de tons e texturas da neve, o livro de Béka  e Marko também nos oferece um ponto pouco conhecido de referência cultural que nos orienta e localiza no mundo.

São Paulo, 25 de julho de 2013.
R. B.