Muitas vezes deixo de escrever, não por não ter o que dizer, mas por não encontrar – nem entre leituras e escritos – as palavras que preciso naquele momento exato. Esta tolice cria um círculo vicioso: por procurar a palavra, não escrevo. Por esperar o momento, não publico. No entanto, conforta-me a persistência deste ímpeto, desta necessidade vital de dizer não-sei-o-quê, nem sei a quem. Há algo certo? Que o texto se sustente na exata medida de seu próprio corpo.
(Rita Braga)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Muito além dos e-books*


Em tempos de e-books e aceleradas tecnologias para a digitalização dos acervos de grandes bibliotecas, Robert Darnton – historiador, professor e atual diretor da Biblioteca da Universidade de Harvard – reúne em seu novo livro onze ensaios que trazem ao leitor a complexidade das discussões acerca de nossa relação com os livros nesta entrada no século XXI.
O autor que confessa sua “apologia descarada em favor da palavra impressa” logo na primeira página surpreende o leitor com dados e argumentos que vão de encontro a mitos e preconceitos enraizados – tanto entre grupos que se proclamam “defensores” dos livros, quanto entre as gerações que pressupõem a evolução tecnológica a todo custo.
Mais do que discutir se o livro – enquanto objeto impresso – acabará ou não com a chegada das novas mídias, o objetivo de Darnton é expor as camadas de interpretação e as efetivas consequências de todo esse período de transição, que, historicamente, nem se apresenta tão inusitado quanto parece.
É claro que o texto considera todas as especificidades do livro em sua materialidade que implica não somente em memórias sensoriais do ato da leitura, como também desdobramentos econômicos, políticos e sociais em diferentes épocas.
Um momento marcante da leitura já se dá ao descrever o momento em que foi nomeado diretor da Biblioteca de Harvard, sem imaginar que nas semanas seguintes  mergulharia no universo espinhoso das leis de direitos autorais e políticas públicas, com a proposta do Google de digitalizar o acervo que estava agora sob sua responsabilidade. Leis, emendas, influências ...  Até Mickey Mouse entra no texto para exemplificar o grau de especificidade entre diferentes detentores de Copyright.
Segundo Darnton, não demorou que viessem à tona os interesses comerciais em “disponibilizar o acesso a livros raros” por meio de assinaturas – um processo que o autor comenta a partir de comparações pertinentes  com casos de revistas de pesquisa e outras propostas que surgiram  com a mesma bandeira de “democratização”. Como o autor também é fundador do Programa Gutenberg-e, para a divulgação de teses no meio digital, o repertório de ocorrências e considerações alimentam a reflexão do leitor de maneira aberta, apontando controvérsias,  referências e espaços de aprofundamento das questões levantadas.
Os ensaios revelam ainda discussões polêmicas acerca da preservação de documentos e reflexões sobre o papel da bibliografia na preservação e, principalmente, na produção do conhecimento em qualquer área de pesquisa. Enfim, A questão dos livros: passado, presente, futuro é um mergulho no conceito sempre atualizado de “Era da Informação”.

* Texto publicado no Jornal da ABI - Associação Brasileira de Imprensa, edição 358, disponível no link: http://www.readoz.com/publication/read?i=1031251#page46 
Livro: A questão dos livros: passado, presente, futuro,  de Robert Darnton (Tradução Daniel Pellizzari). 
Companhia das Letras, 2010.