Pesquisa mostra que
metade da população brasileira não lê
e apenas 2% dos professores dedicam seu tempo livre à leitura. Mesmo assim, há
esperanças.
De acordo com os dados mais recentes da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, cujo terceiro volume foi lançado em agosto, apenas 7% dos leitores levam em conta críticas e resenhas como fatores que mais influenciam na leitura de um livro. Eu poderia desistir de escrever este texto diante desse dado. Mas como as estatísticas têm suas sutilezas, prefiro me apegar aos 29% que levam em conta “dicas de outras pessoas”. Mesmo diante de números preocupantes e dignos de manchetes na imprensa, como a constatação de que apenas metade da população se declara leitora, como se sabe, quem lê as letras miúdas acaba enxergando outros aspectos que não costumam estar tão explícitos nas bancas de jornal. Por analogia, quem ler Retratos da Leitura no Brasil 3 verá que os números são apenas a ponta do iceberg.
Desta vez, o período de aplicação foi entre os meses de
junho e julho de 2011 com o total de 5.012 entrevistados. Segundo a
organizadora deste volume, Zoara Failla — socióloga
da Unesp, gerente de projetos do Instituto Pró-livro e coordenadora técnica da
pesquisa de 2008 —, houve algumas inovações
nos procedimentos com a intenção de obter respostas mais fidedignas. Por
exemplo, desta vez optou-se por perguntar primeiro “quantos livros a pessoa leu
nos últimos três meses” e somente depois “qual a importância da leitura” (questão
que de alguma forma já induzia, ou pelo menos, “pressionava” o entrevistado na
edição passada). Na edição atual, buscou-se também uma validação por meio de
perguntas sobre o último livro lido, como: título, autor e se estaria no
domicílio. A diagramação e estrutura geral da pesquisa publicada permitem a
comparação com os números internacionais e com os dados de 2008.
Se há espaço para sugerir um acréscimo ou outra pesquisa, creio
que talvez fosse interessante saber quantas pessoas “leem” esse documento no
Brasil. Mais interessante ainda seria identificar o perfil do leitor da
pesquisa, e, na medida do possível, como essa leitura se desdobra em suas ações
na sociedade. A sugestão não é um capricho pessoal, mas consequência de algumas
reflexões despertadas tanto nesta leitura quanto na do volume anterior. Que o
quadro da educação é preocupante, que o letramento tem sido um desafio em todas
as etapas da vida escolar, que grande parte da população entende a biblioteca
como um espaço diretamente ligado à escola, são dados cujos números já podiam
ser “intuídos” em qualquer conversa cotidiana. Afinal, quem não percebe que a
imagem dos pais como motivadores perdeu espaço para o professor? Isso reflete,
entre outras coisas, uma família mais dividida, com pouco tempo para o convívio
afetivo (o que também tem consequências na construção dos laços sociais).
Já o grande número de professores que não são leitores – ou,
quando são, denotam um repertório bastante
limitado – também aterroriza, mas não necessariamente surpreende. Entre 145
professores entrevistados, apesar de 94 dizerem que “gostam muito de ler” e 38
dizerem que gostam “um pouco”, 73 não conseguiram citar nenhum autor. Entre os
que citaram, ficou evidente a preferência por livros de “autoajuda”. Outro número impressionante é que, dentro
desse universo de 145 professores, apenas três declararam preferir dedicar seu
tempo livre à leitura.
Antes que vozes se elevem maldizendo os “professores inaptos”
como mediadores, cabe lembrar que muitos deles são aqueles mesmos alunos do
passado, a quem foi atribuída a responsabilidade sobre o “futuro da nação”. Muitas
vozes ainda hoje persistem nesse péssimo costume de atribuir a responsabilidade
sempre ao outro e no futuro – sem qualquer compromisso de garantir o que as
necessidades básicas para a formação intelectual e desenvolvimento humano se
consolidem no presente. É importante destacar essa dívida histórica, e
certamente a proposta de recolocá-la no centro do debate é uma das melhores
inovações da edição.
Marcos Antonio Monteiro, Diretor-Presidente da Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, introduz os comentários usando as palavras de
Antonio Candido como epígrafe. O texto citado é O Direito à Literatura, palestra do curso organizado pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo,
publicado pela primeira vez em 1989.
Mais de vinte anos depois, o trecho continua a sintetizar com força e
clareza a emaranhada raiz do problema: “Em princípio, só numa sociedade igualitária os
produtos literários poderão circular sem barreiras, e neste domínio a situação
é particularmente dramática em países como o Brasil, onde a maioria da
população é analfabeta, ou quase, e vive em condições que não permitem a margem
de lazer indispensável à leitura [...] Pelo que sabemos, quando há um esforço
real de igualitarização há aumento sensível do hábito de leitura, e portanto
difusão crescente das obras.”
Claro que é importante saber quem são esses leitores e não-leitores.
Identificar quais são os fatores sociais, econômicos e culturais que levam 75%
dos entrevistados a não frequentar bibliotecas (e 33% alegarem que “nada os
faria frequentar uma biblioteca”). Porém, as inquietações despertadas pelos
dados e pelos comentários de especialistas, como Ana Maria Machado, Ezequiel
Theodoro da Silva, Regina Zilberman, Marisa Lajolo, José Castilho Marques Neto
e tantos outros, ultrapassam limites que muitas vezes vinham erroneamente
restringindo a discussão. Nas escolas, nas ruas, nos corredores, é muito comum
ouvir dizer que a responsabilidade sobre a formação de leitores cabe à escola
e, especialmente, ao professor de língua portuguesa. Ao trazer a pauta da
leitura como “prática social” inerente ao exercício da cidadania, a publicação
convoca “todos” a sair dos estereótipos e encarar os números da leitura de
maneira menos idealizada. Há avanços e retrocessos. Paradigmas em transição que
exigem novas estratégias. Tendências e transformações tecnológicas
irreversíveis que exigem o empenho de toda a sociedade. Isso vai desde os
gestos mais afetivos, como ler para os filhos, aos mais complexos do ponto de
vista da implementação de políticas públicas que enfrentem o abismo da
desigualdade social.
Como educadora, faço questão de recomendar o livro para
pessoas de todas as áreas. Não se trata de concordar ou discordar dos dados,
mas de reconhecer os embates e até as contradições. Se queremos de fato
resolver o que alguns chamam de “crise da leitura”, o desafio é grande e urgente.
Não pode ser adiado. Há que se convergir o envolvimento real de gregos e
troianos, sem resmungos conformistas ou devaneios nostálgicos. Nesse sentido, como
citação complementar à altura das palavras de Candido, recordo as de Maria
Victória de Mesquita Benevides, em outro texto da Comissão de Justiça e Paz:
ela diz que aprendeu com um amigo, ex-preso político e hoje um batalhador da
cidadania ativa no Brasil e no mundo, que “se sopra um ventinho, temos que sair
com a nossa pipa”. Então, se os dados dizem que temos 50% de não-leitores, é
preciso despertar a ação efetiva entre os 50% leitores para reverter o quadro.