Por um momento até eu me pergunto: por onde andei?
Eu sei que andei ocupada com o trabalho no museu, com meus
estudos... Mas isso nunca foi motivo suficiente para deixar de escrever. E para
variar, não deixei. Acontece que tenho usado mais o lápis e o papel e agora há
uma fila de coisas para compartilhar à espera daquele tempo mais difícil: o
momento em que eu preciso me reler para finalmente escrever.
Passei um tempo organizando meus textos para uma
apresentação “mais profissional” – se é que eu sou capaz de separar o
profissional e o pessoal quando o assunto é leitura ou livro.
Abri uma nova página (ritabraga.wordpress.com), mas pretendo
manter o Asa Palavra como espaço “meio miscelânea”
de me mostrar como leitora.
Hoje especialmente quero compartilhar pequenos comentários
sobre alguns livros de literatura infantil e juvenil que me comoveram bastante
(coloquei vários outros no wordpress). Acho até que um deles, o de Lygia Bojunga,
teve em mim um efeito de certa forma “avassalador”.
Eu nasci em 1975 e A
bolsa amarela é de 1976. Passei pelas angústias da pequena Raquel e mais
uma vez me vi criança, “engordando minha vontade de ser escritora”. Conheci esses livros a partir do Projeto
Patrimônio e Leitura oferecido pelo IPHAN que tem sugestões excelentes.
Se o texto de hoje para o blog é tão breve, é porque tenho
outros escritos, berrando como “filhinhos recém-nascidos” esperando meu
retorno.
Compartilho as dicas e desejo boa leitura a todos!
A bolsa amarela
BOJUNGA, Lygia. Ilust. Marie Louise Nery. 33ªed. Rio de Janeiro: Casa Lygia
Bojunga, 2004.
Um lugar para guardar nossas vontades e nossas fantasias. Um
espaço em que é possível cultivar a criatividade e alimentar-se dela para
enfrentar as angústias mais íntimas. A personagem Raquel é uma menina em pleno
embate com suas vontades mais secretas: a vontade de crescer, a vontade de ter
nascido menino e a vontade de escrever. Como são vontades sem solução, o jeito
foi aproveitar uma bolsa amarela para
guardar tudo ali, e levá-las escondidas pra lá e pra cá. Com o tempo ela vai
colecionando objetos e personagens que lhe contam histórias pessoais e lhe
ensinam sobre a vida. O livro de 1976, repleto de elementos fantásticos, com
falares da época e cenas bem humoradas, foi escrito num tempo em que era mais
comum se ouvir a premissa de que “criança não tem vontades”. Além de ser uma
divertida aventura que comprova o contrário, é um estimulante convite à escrita
e à relação mais atenta com os acasos e os detalhes do cotidiano do leitor.
Bisa Bia, Bisa Bel.
MACHADO, Ana Maria. Ilus. Mariana Newlands. São Paulo:
Salamandra, 2007, 80 p.
“[...] a gente podia contar a história de Bisa Bia assim:
dentro do quarto de minha mãe tinha um armário, dentro do armário tinha uma
gaveta, dentro da gaveta tinha um envelope, dentro do envelope tinha um monte
de retratos, dentro de um retrato tinha Bisa Bia.” A imagem é de uma criança de
outro tempo, com roupas e penteado muito diferentes daqueles que a personagem Isabel
usava ou estava acostumada a ver entre suas colegas na escola. Por seu
encantamento e surpresa ao conhecer a bisavó quando menina, algo mágico
acontece e as duas se tornam amigas inseparáveis, trocando experiências e
percepções sobre as transformações do mundo ao longo dos anos. O livro premiado
de Ana Maria Machado vem emocionando multidões desde a primeira edição em 1982
e, com doçura e criatividade, traz à pauta temas como memória, infância, gênero,
direitos, política e muito mais. Além das bem humoradas conversas que levam o
leitor em uma viagem ao passado, há personagens que apontam delicadamente as
dores do exílio durante a ditadura no Brasil e convidam as crianças a pensar o
futuro. A literatura de Ana Maria Machado garante surpresas, sorrisos e
reflexões para o leitor, sobretudo, porque em suas várias camadas também guarda
o compromisso com transformações urgentes nos costumes, na compreensão da
dinâmica da cultura e da vida em sociedade.
As cocadas.
CORALINA, Cora. Ilust. Alê Abreu. São
Paulo: Global, 2007, 24 p.
A memória afetiva e a sensorial se
mesclam na narrativa de Cora Coralina. As palavras da menina “prestimosa e
trabalhadeira” vêm com peso e voz de quem se volta para o tempo passado, num
olhar demorado por cima do próprio ombro. A cena que um dia foi cotidiana (o
fazer doces em casa) chega ao leitor em cheiros, formas e cores das cocadas
temperadas com canela. Com a mesma intensidade compartilhamos o desejo de
degustá-las e um remorso remoído no tempo. O livro é breve, mas pode
despertar conversas sobre os saberes populares, as diferenças sociais e,
principalmente, sobre as consequências de pequenos atos ou pequenas omissões.
Por experiência, vale registrar que o livro é um estopim de histórias pessoais.
Sempre há alguém que se lembre de um episódio similar ao ouvir a
história.